Na geografia sinuosa
das suas curvas,
meu olhar deita
um desejo intenso.
Analice Martins – Rio, 23/01/2019
Na geografia sinuosa
das suas curvas,
meu olhar deita
um desejo intenso.
Analice Martins – Rio, 23/01/2019
Porque faço versos sobre acontecimentos,
insisto em fundir sujeito e objeto,
gosto da efusão lírica,
vez ou outra, recupero a infância insepulta
e deixo a memória brincar comigo.
*
Mas também invento,
tento resgatar do limbo
palavras perdidas
e suas faces ocultas.
*
Procuro, então, a chave
e peço permissão para entrar,
como bem me ensinou Drummond.
(Analice Martins)
Para André
– Posso ir?
– Ainda não!
– Já posso? Que silêncio… Dá uma pista.
– Tá frio.
– E agora? Tá quente? Ana, fala alguma coisa! Você tá aí ainda?
– Um, dois, três…
– Não gosto de escuro, eu tropeço, você sabe.
-Tá quente!
– Haha! Achei!!! Te enganei, sua boba, eu não tenho medo.
Analice Martins (Grussaí, 23/12/2018)
O que um livro guarda
nenhuma traça perfura.
*
O oco no papel
não cava um vazio.
*
O que um livro guarda
a água não dissolve.
*
A tinta diluída
não apaga o eco.
*
O que um livro guarda
não se esconde no papel nem na tinta
*
O que um livro guarda
cobre vazios e faz eco.
*
O que um livro guarda
só existe na imaginação.
Analice Martins (Grussaí, 18/03/2018)
A cidade esquadrinhada no mapa
parece estática:
linhas e fronteiras domadas
em legendas ordenadas.
*
A cidade ao rés-do-chão
é labirinto de passos perdidos,
retórica de deambulações
e falas em transe.
*
A cidade que avisto
do alto do arranha-céu
tem uma geometria previsível.
*
Mas a outra que os olhos percorrem
com a sola dos pés
é tabuleiro de xadrez.
Analice Martins – Rio, 26/02/2018
O tempo não é largo nem pequeno,
muito menos eterno.
*
O tempo é imperioso,
régio e regulador.
*
Quando dócil,
é invisível.
*
Quando irascível,
é um titã.
*
Tempo tempo tempo…
*
Se circular, asfixia;
se retilíneo, dispersa.
*
Nenhum tempo é para todos,
o tempo é o que nos chega.
*
Quando o apalpamos,
somos deuses.
*
Quando o aceitamos,
somos mortais.
*
Quando nos rebelamos,
saltamos de um trampolim.
*
O tempo que temos
não é animal doméstico.
*
O que nos escapa
é alazão estranho.
*
O que vivemos
nunca se aprisiona no pulso.
Analice Martins – Grussaí – 05/02/2018
O tempo suspenso
na cidade eterna
fecha seus ponteiros
sobre mim.
*
Atrás do rio,
a cidade se abre
em becos e vielas
emaranhados em mim.
*
Das janelas avisto,
em perspectivas e camadas,
a cidade
escrita por mim.
*
A outra que se anuncia,
entre as montanhas e o redentor,
tem um mar
que abre os braços para mim.
Analice Martins. Roma, 25/11/2017
Uma fotografia não conta uma história,
uma narrativa também não.
*
Uma fotografia não é a realidade,
a palavra tampouco é a coisa.
*
Porque a coisa em si
– essa –
sempre precisará
de uma pena,
de um pincel
ou de um clique.
Analice Martins (Amsterdã, 26/09/2017)
Percorrer uma cidade,
derrubar seus muros,
furar suas paredes,
arrancar sua pele,
até que,
núbil,
ela se curve
como o mapa
roto
que se dobra
e se guarda.
Analice Martins – Roma, 07/09/2017
Do outono
eu quero o sumo:
amarelo.
*
No outono,
eu quero ser feliz. Em Paris?
Em abril?
No Rio? Além?
*
No mangue
da minha memória,
o outono grita
agora!
Analice Martins, Roma, 4/09/2107