As varinhas do Natal

 

Talvez seja com algum atraso que eu faça esse comentário sobre as varinhas, mas confesso que não as vi no início deste ano. Nem me lembro se as “selfies” já eram a febre que são no momento. Sem redes sociais, sem iphone e com celulares bem modestos, talvez não tenha me dado conta de que, além da prótese, como diz um amigo meu, que todos (alguns mais do que outros) carregamos no dia a dia, agora há também a varinha acoplada a celulares e máquinas fotográficas que as pessoas empunham na busca obsessiva da autorrepresentação espetacularizada.

Confesso que tomei um susto, nesse meu primeiro fim de semana de recesso, fora dos muros do IFF e da UENF, quando vi, em Búzios, casais e grupos andando com o que julguei desavisadamente ser uma antena. Ledo engano. A varinha agora forma uma trindade com os celulares e as redes sociais.

Alguém há de argumentar que os tripés sempre existiram, auxiliando os viajantes solitários e dispensando o incômodo de solicitar a estranhos ajuda para uma foto. Mas eram fixos, deveriam ser colocados, o “time” do clique programado e o enquadramento suposto. Como tudo que é sólido e fixo já se desmanchou no ar e vivemos o império da mobilidade e da velocidade, varinhas, que imagino se chamem suportes para “selfies”, asseguram a independência dos fotografados, o melhor ângulo, os sorrisos e poses milimetricamente estudados para a subsequente narrativa de si articulada pelas redes sociais.

Fora dessa dinâmica, para muitos, a vida parece inexistir. Em épocas festivas como o Natal em que o congraçamento é a palavra de ordem, acho tudo muito cansativo. Não há como conversar, procurar saber do outro que está ao seu lado, nem comer em paz os quitutes de tantas confraternizações, pois o registro fotográfico e a sua narrativa instantânea e espetacularizada interrompem a naturalidade de qualquer evento. Poses, poses, poses. Flashes, flashes, flashes. De muitas máquinas e celulares. Muitas vezes e em busca da “selfie” perfeita.

Em recente reunião de fim de ano, mal consegui provar as delícias oferecidas, tantas eram as fotos. Como não vejo nenhuma depois, já que sou “out” total, a menos que me enviem alguma delas por email ou me interrompam novamente para mostrar, na tela, a vida nossa de cada dia, fico muito amuada em período em que o OUTRO deveria ser, para os que se dizem cristãos, a razão maior do encontro. Reúnem-se para quê? Quase não vejo ninguém conversando, é um senta-levanta interminável para as fotos.

Sempre supusemos que a fotografia e a imagem em movimento fossem o registro mais fidedigno da respiração de nossas vidas. Não creio que tal função ainda se sustente. A obsessão documental e expositiva interrompe a pulsação normal da vida, inventa um outro tempo, outros cenários e situações, e as fotos têm que cair na rede para saciar a sanha de si mesmo. O outro é um acessório.

Do ponto de vista sociológico e da estetização da vida, tudo isso me interessa muito. Já me questionaram, entretanto, como posso orientar pesquisas que tratam desses fenômenos, como redes sociais, blogs e internet, se não sou uma usuária de “verdade”. Ou seja, como posso falar de facebook, se não tenho um perfil, como podia falar de blogs se não tinha um até dois anos atrás? Acho que nada disso me desautoriza. Os usuários, quase sempre absortos e sugados pela dinâmica dos usos, nem se percebem, não se veem, cegam-se diante do fascínio da comunicação instantânea e enredam-se na teia das narrativas de si mesmos, fabulam para si personagens com que querem vestir-se na vida real. É quase desconcertante o abismo que às vezes separa o ordinário do cotidiano do mundo fictício que todos passam a habitar.

Sei que esse texto está muito rabugento para as celebrações natalinas, mas é porque, nesse período mais do que em qualquer outro, as pessoas deveriam querer ver além de si, darem-se ao encontro, ver no OUTRO o outro e não a si mesmos.

Desejo a todos um Natal com menos flashes, menos poses, menos próteses e menos varinhas.

(Analice Martins)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *